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O Vaticanão da Fé e o angu de caroço
O Vaticanão da Fé e o angu de caroço

Uma lágrima furtiva escorre pelo canto do meu olho, emocionado que fico com a imensa e inenarrável bondade da igreja católica e da imensa e inenarrável preocupação do prefeito, Eduardo Paes, para com os mais pobres da cidade. O bispo Orani Tempesta resolveu , após consultar o papa Francisco, que na área do Campo da Fé será construída uma vila para os mais necessitados. Incontinenti, o prefeito acolheu a ideia e já fala em desapropriar (judicialmente) a área. Estas duas atitudes são aparentemente humanitárias, mas agasalham aspectos estapafúrdios. O terreno não é da igreja e a área é de preservação permanente. Então, a igreja está decidindo sobre o que não lhe pertence e o prefeito resolveu esculhambar com o meio ambiente (e as leis ambientais)?

Acredito que estas duas falas ganham sentido no momento em que colocamos no cenário um terceiro personagem, exatamente aquele que mais tem a ganhar com este derramar caritativo: o empresário (várias empresas?).

Como dado complicador, temos que o aterro pode estar contaminado com a escória de alto forno que foi despejada no local. Este refugo “tende a soltar uma fina poeira com alto teor de minério de ferro que deverá se espalhar com o vento e penetrar no solo contaminando juntamente com os outros subprodutos do material, o lençol freático, além de ir pelos valões e riachos para o manguezal numa potencial contaminação por metais pesados”. (Portal Guaratiba – http://www.portalguaratiba.com.br/2013/noticias/290701_escoria_de_alto_forno_um_material_contaminante_foi_despejada_no_campus_fidei_em_pedra_de_guaratiba.html

Paira, ainda, a suspeita de que foi usado aterro hospitalar.

 

Logo após a partida do papa, uma questão que vinha se arrastando por mais de ano sai do berço esplêndido em que estava mergulhada. Exatamente após não mais se necessitar do Campo da Fé (Vaticanão da Fé), as autoridades competentes (?) e responsáveis (?) aparecem diante do distinto público mostrando serviço.

No dia 28/07/2013 (no adeus Francisco) o arcebispo Orani Tempesta nos informa que o Campo Fidei será um bairro popular destinado ao povo pobre. Bonzinho ele, não?

No dia seguinte 29/07, a mídia estampa a notícia de que o Campos Fidei já é caso de polícia e a promotora Christiane Monnerat (em entrevista à rádio CBN), cospe marimbondos, pois o local é Área de Preservação Permanente (APP) e não poderia sofrer nenhum tipo de intervenção.

Na mesma notícia soa muito estranho saber que a Delegacia de Proteção do Meio Ambiente e a Promotoria de Meio Ambiente, do Ministério Público Estadual, vão ouvir na próxima semana os proprietários da Construtora Vila Mar. Esta construtora é responsável pelo loteamento Vila Mar de Guaratiba. Exatamente em parte desta área foi instalado o Campus Fidei, em Guaratiba. É muito estranho, pois as intervenções naquela Área de Proteção Permanente acontecem faz mais de ano e estes órgãos não usaram o poder de polícia. Traduzindo: tem o poder de simplesmente embargar a área. Mais de ano depois (exatamente após a partida do papa) é que vai ouvir os responsáveis?

Por seu lado, a promotora Chistiane informa que foi instaurado o inquérito (396/12) sobre loteamento irregular, aterro clandestino e presença de milícia na região. Informa, ainda, “que não poderia imaginar que o Campus Fidei estava sendo instalado no mesmo local”. Caramba! Bastou o papa partir e ela descobriu... algo que estava escancarado na mídia. O Brasil inteiro sabia do Campo Fidei, menos a promotora?

Leio na Folha de S. Paulo uma frase lapidar da promotora: "É inacreditável que o poder público quisesse colocar o papa para celebrar uma missa sobre um aterro clandestino em uma área de proteção ambiental. Aquela estrutura não poderia ter sido montada ali", mas também considero inacreditável que a entrevista dela só veio a público no dia 29/07, com sua santidade já no Palácio do Vaticano.

Muito estranha também é a ausência do ICMBio nesta história, pois não acredito que a prefeitura tem poderes para conceder licença deste porte. Existem vários processos administrativos nos quais o ICMBio multa prefeituras...

O problema todo é que neste angu de caroço rola muita/muita/muita grana. Trata-se de uma área maior que o bairro de Ipanema, com 5,7 milhões de metros quadrados.

O esquema segue o roteiro de sempre: a área é de preservação permanente e não pode ser usada. Daí, o empresário (que é muito bonzinho) concede à igreja uma parte (1,8 milhões de metros quadrados) e a igreja faz um aterro de proporções gigantescas no local. Ninguém viu, ninguém gritou...

Segundo a lei, qualquer licenciamento porventura concedido é irregular. Entretanto, o nosso alcaide, o Eduardo Paes, disse “que foi informado sobre a vegetação de manguezal perto do terreno, mas que, mesmo assim, autorizou a realização do evento no local”. Eufemismo do prefeito, pois a área de manguezal não é perto, está sob o aterro.

Aos poucos a patranha se aclara e, por um passe de mágica (quem viver verá) aquela área será devastada e as casas de luxo se erguerão, mesmo que próximas a uma vila de pobres fraternamente “doada” pela igreja.

Faz parte do jogo aparentar intransigente defesa dos fracos e oprimidos. Segundo a Veja, o prefeito topou a ideia da igreja e vai construir a tal Vila do Campo da fé tendo que, para tanto, desapropriar o terreno:

 

Ficarão felizes a Igreja – que vai ser parceira em um empreendimento que ficará para a cidade, batizado de Campo da fé – e certamente os moradores beneficiados. Os donos da área, que a prefeitura ainda não informou quem são, provavelmente serão o lado insatisfeito do negócio. Até porque, segundo Paes, o valor pago na desapropriação será o do terreno antes dos investimentos realizados pela Igreja no local. "Justamente por isso o processo se dará totalmente pela via judicial", afirma o prefeito.

 

É claro que o proprietário do terreno vai adorar ser desapropriado, pois a construção no local abre as perspectivas para liberar o restante do terreno (maior que Ipanema) para o seu enorme loteamento.

Conhecendo as atuações precedentes do poder público, não restam dúvidas de que o empresário conseguirá transformar (quem viver verá) um imenso terreno que, hoje, não vale grandes coisas (não pode construir) numa propriedade super valorizada.

No final da história, todos são bonzinhos (e ricos!), todos acrescentam uns cascalhos em suas gordas contas bancárias e nós, os otários, não poderemos nem sequer nos queixar ao bispo.

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